terça-feira, 24 de março de 2009

OS SENTIDOS DA DIFERENÇA


Pensado sobre o que me sensibilizou nos últimos dias, para compartilhar por aqui, me veio a última quinta-feira de trabalho, um dia aparentemente sem muitas novidades.
Tudo normal, imprensa ligando para agendar entrevista, cliente que não respondia o e-mail com a validação do release, cronograma de inserções funcionando bem, metas quase atingidas e de repente estoura o pop do Outlook, 16h15, horário que sai para acompanhar uma entrevista.

Toda a estratégia já havia sido previamente montada na minha cabeça e mesmo o produtor agradecendo a atenção da empresa e, como sempre, dispensando cita-la, tratava-se de uma inserção em mídia nacional e para que tudo corresse bem, resolvi acompanhar de perto e passar todas as coordenadas ao entrevistado.

A diferença é que diante dos meus olhos, do cinegrafista e repórter, equipe vinda do Rio de Janeiro, não estava mais um cliente, com mestrado, gestor de alguma grande empresa, ou especialista na área xxxx, que concorda como que eu falo ou apenas fala que já passou pelo Media Trainnig e concedeu mil entrevistas ao longo da vida, estava uma pessoa tão boa quanto, muito educada, que ouvia atentamente a cada uma das minhas explicações sobre a estratégia, montada para reverter em pontos favoráveis aquela entrevista para uma grande empresa.

Estava no meu papel, não deixei que nada escapasse, nem falas, que poderiam induzir a inserções positivas, nem reforço de imagem, que rendeu até algumas risadas depois, de tão assertiva e forçadas, para a irritação do repórter e cinegrafista.

Enfim, quem me ouvia atentamente era um mero colaborador, não falo com desdém, mas é que eles nunca aparecem quando o assunto é assessoria de imprensa. Aos poucos Bel (nome fictício) ganha toda a equipe com sua entrevista, não sei se pela sua simplicidade, pela forma como colocou em pratica todos os ensinamentos que passei em menos de 10 minutos ou pela sua história de vida, mas me sensibilizou aquele massoterapeuta, com aproximadamente a minha idade e que contava sua trajetória de vida, vitima de deficiência visual genética, estudou em escola normal e escola inclusiva, buscou profissionalização com cursos de massoterapia e outros do mesmo gênero e aprendeu a VER a vida sem a visão. A incongruência é explicada pelas outras formas de enxergar o mundo que não apenas através dos olhos

Atesto que a sensibilidade de Bel não estava apenas na eximia massagem Express, a qual testei e aprovei, mas sim na sua forma de ver o mundo através de toque, cheiro, e voz. Algo me remeteu imediatamente ao filme Ensaio sobre a Cegueira, creio que o livro seja ainda melhor e José Saramago está entre os próximos que dedicarei meu tempo, mas a mensagem do filme tocou-me imediatamente, com a sua fala sobre “Como vê o mundo”.

Para um deficiente visual o belo não tem valor algum, porem, pela voz há uma identificação com o que é doce, suave, amargo e ao toque é possível perceber coisas que nós não percebemos, toques que não são de braços sarados, nem tão pouco de pernas torneadas e cintura fina, a pele tem um sentido maior, que não o sexual e sim o emocional.

Juro que não chorei, também não era para tanto, mas refleti por pelo menos 30 minutos sobre aquela fala de quem não se martirizava pelo ocorrido, pelo contrario, incentivava outros deficientes a buscar a profissionalização e falava com carinho dos atendimentos que faz diariamente e sobre o que a falta de visão lhe proporciona, no caso
maior sensibilidade aos outros sentidos.

Ai pensei tanta coisa, entre elas em muita gente que eu conheço que tem belos olhos, visão apurada, porém parecem cegos para o mundo, não enxergam quanta coisa mais importante passa bem abaixo dos seus olhos e não outros tantos que não tem a sensibilidade de perceber quantas oportunidades perdidas de continuarem calados. Sim, outro sentido que muita gente não aproveita, dispara a falar uma porção de abobrinhas sem respeitar a audição de quem preza por qualidade ao que se escuta.

Viajei mentalmente, surgiram algumas perguntas em fração de segundos, sobre a hora de calar, de não ouvir, de sentir o toque como algo mais verdadeiro que a visão e sobre como estes sentidos ganham proporções de relevância tão maiores na perda de um deles.

Sai da entrevista extasiada com tantos questionamentos que rondaram a minha cabeça e sem concluir absolutamente nada, a não ser que vivemos num mundo muito volátil, com scripts montados, sensibilidade forjada, onde o visual vence o mental, o cheiro e o toque perdem suas essências e de repente até um pouco decepcionada com esse mundinho que despreza a perfeição de ter todos os sentidos plenamente aproveitados, mas não vou mudar o mundo mesmo e, de alguma forma ou de outra, faço parte deste contexto.
Por: Paula Tubino